17 de novembro de 2008

Milk-shake na Quimioterapia

Este texto foi retirado da revista do laboratório Fleury, da edição de março. Foi redigida pelo jornalista e escritor Ruy Castro.

Crônicas e experiências sobre saúde e qualidade de vida

Os médicos avisaram: a radioterapia seria dura, dolorosa e diária, mas a quimioterapia, semanal e comparativamente mansa – ou, pelo menos, o coquetel de drogas, mais ameno do que na maioria dos tratamentos. E, assim, lá fui eu para a primeira químio, num centro especializado no largo do Machado.

Logo ao chegar, reconheci o prédio. Em seu lugar, no passado, ficava o São Luiz, um dos mais deslumbrantes cinemas do Rio. Quando jovem, eu o freqüentava toda semana, e o ritual era invariável: milk-shake do vizinho Bob’s, pipoca na carrocinha da esquina e, só então, entrar para ver o filme. Mas o cinema tinha vindo abaixo, o pipoqueiro sumira e eu próprio, com um câncer que não estava nos planos, também não me sentia grande coisa.

Assim que me plugaram aos soros e gororobas, no entanto, algo despertou em mim. Ninguém falara em jejum e, pelo visto, não havia contra-indicação a um milk-shake durante a químio. Por que não tomar um, já que teria de ficar ali pelas próximas horas? Daí, pedi à Heloisa, minha mulher, que fosse ao Bob’s e me trouxesse um milk-shake de Ovomaltine.

Ela fez isso e, pelos 20 minutos seguintes, saboreei meu melhor milk-shake em décadas. E, como nem a químio nem o milk-shake me provocassem o menor enjôo, repeti o processo na semana seguinte e nas outras.

Até que caí em mim. Talvez eu fosse o único ali a ter o privilégio de uma químio suave. Ouvia dizer que as químios eram horríveis, que muita gente passava mal – donde que coisa antipática ficar me exibindo com aquele copázio de milk-shake enquanto os colegas de tratamento, quem sabe, estavam aos engulhos diante do espetáculo. Decidi que, pelo resto do tratamento, iria me privar da delícia.

Agüentei firme as três ou quatro horas da químio naquele dia e, ao me levantar para ir embora, congratulei-me intimamente pela minha força de vontade. Que diabo, é preciso também pensar nos outros. Mas, então, perto da saída, deparei com uma colega de tratamento, tão plugada quanto eu, lambendo um Chicabon como se não houvesse nada mais importante no mundo naquele momento. E, pensando bem, não havia mesmo. Na semana seguinte, voltou o milk-shake.

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